quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Morte aos indicadores

Se tem um assunto que me tira do sério, esse assunto é educação pública. Se posso acrescentar um segundo, esse é o conjunto de políticas científico-tecnológicas dos governos brasileiros. Essa postagem vem sendo desenvolvida há duas semanas, quando assisti a um seminário do doutor (em economia, pela UniCamp) Guilherme Henrique Pereira, Secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, secretaria essa vínculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Durante a palestra fiquei chocado com o número de situações nas quais o doutor apresentou análises na seguinte linha. Ele mostrava que todos os países desenvolvidos possuiam dois indicadores correlacionados e defendia uma política governamental que jogava uma grana furiosa para mover um dos dois indicadores no sentido de alcançar os países desenvolvidos, alegando que o segundo mover-se-ia na direção desejada como consequência. Ora, se dois indicadores estão correlacionados, há três chances: ou um causou o outro, ou o outro causou o primeiro ou há uma causa comum para ambos. E ele nunca fazia essa análise! Simplesmente escolhia o que era mais fácil de mudar usando horrores de dinheiro e fingia que esse seria o cerne de todas as soluções.

Vamos a um exemplo. Ele mostrou uns dados que indicavam que, enquanto na Alemanha quase 50% dos estudantes universitários são de engenharias, ciências básicas, agrárias ou da saúde, no Brasil esse número está em 20 ou 25%. Nos demais países desenvolvidos que foram apresentados, esse indicador era sempre superior a 30%, sendo que o mais próximo dos 30% eram os EUA. Ele então alegava que o governo deveria tentar elevar essa proporção, o que estava sendo feito com o REUNI.

Bom, a primeira coisa que eu gostaria de me certificar é de que esse índice em 50% é algo bom para a Alemanha. Afinal, isso é o que eles têm hoje, e não é isso que nos interessa. Não foi o índice de 2006 que os levou ao desenvolvimento. No máximo, o desenvolvimento deles foi influenciado pelo valor desse índice enquanto estavam se desenvolvendo. Atualmente, até onde eu sei, pode até ser alguma consequência indesejada. Eu esperava mais profundidade de um doutor em economia pela UniCamp.

A segunda questão é: mesmo que formar vários engenheiros e cientistas tenha sido essencial para o desenvolvimento, os engenheiros e cientistas que o REUNI vai formar serão os mesmos que a Alemanha e demais países desenvolvidos formaram e estão formando?

Abre parênteses.

Lembrando o que é o REUNI: o governo federal dá mais dinheiro do que as universidades públicas já viram em sua história para os institutos que fizerem planos de expansão no número de alunos. Tais institutos poderão usar o dinheiro para contratar mais professores, mas as condições impostas implicam que a razão professores/alunos seja reduzida com a implementação do programa. Além disso, é exigida uma taxa mínima de integralização de 70% para que os Institutos que fizeram um projeto de expansão continuem recebendo a grana.

Isso é genial, pois significa que teremos uma maior parcela da população jovem nas universidades e, em alguns anos, uma parcela substancialmente maior da população com curso superior. E eles vão dizer isso nas campanhas eleitorais. Qualquer diretor ou reitor boca aberta que venha com ideologias ridículas sore qualidade de ensino se ferra, pois ele tem a opção de abrir mão do dinheiro e manter seu sistema de ensino como bem entender, deixando o dinheiro para as universidades que são capazes de manter ou melhorar a qualidade do ensino sob as novas condições, ao contrário dos incompetentes da dele! Há! Obviamente a visão das lideranças universitárias frente a isso é algo como: "meu papel é pegar o dinheiro e usar da melhor forma que eu puder. Se o único jeito que me deixarem usar significará a desgraça do país em alguns anos, quem tem de estar preocupado com isso é o governo e os alunos, não eu.".

Fecha parênteses.

Fato: as pessoas concluem o ensino médio e simplesmente não sabem matemática. (E o vestibular não seleciona. Em 2003, quando eu entrei, 14 acertos de 30 davam média de mais de 600, o que era suficiente para entrar em todas engenharias menos a da computação. E se o cara fosse bom o bastante nas demais matérias, entrava mesmo assim.)

Eu vi e vejo o ESFORÇO que o Instituto de Matemática da UFRGS faz para que os calouros daqui superem as deficiências básicas que trouxeram até a universidade. E uma série de fatores impede que o IM obtenha sucesso satisfatório nisso, entre eles a atiração nas cordas e conformismo que "rodar em cálculo é normal", pelos próprios calouros, a falta de professores e o nível realmente muito vergonhoso do qual os calouros, em média, partem.

Aí o tiozinho vem me dizer que colocando mais gente que sabe ainda menos matemática e obrigando as universidades a dar diploma a 70% deles, estaremos caminhando para onde a Alemanha está! No listão de 2003 havia 100 aprovados em física. Na formatura de 2006/02, somando com gente de barras anteriores, totalizávamos 8. Na formatura de 2012/12, totalizarão 70.

Mas talvez eu esteja enganado com esse pessimismo todo. Analisemos a questão à luz da seguinte situação que ocorreu no seminário. O doutor Guilherme mostrou um programa de subvenção econômica à inovação da FINEP, no qual o investimento feito pela empresa inovadora era abatido em impostos. Os direitos do produto ou processo gerado que pertenceriam a empresa eram dados pela seguinte fórmula, que ele colocou no slide da sua apresentação.

DE = (IE - IA)/IT,

onde DE é a porcentagem dos direitos que cabe à empresa e IE, IA e IT são, respectivamente, o investimento feito pela empresa, o abatido em impostos pela empresa e o investimento total.

Ele explicou, com aquela insegurança de quem só aprendeu matemática até a parte que começavam aquelas letrinhas, que a fórmula funcionava de tal forma que quanto mais a empresa abatia em impostos o investimento que fazia, com menos direitos sobre o resultado final a empresa ficava. Ao final do seminário, um senhor de uma empresa de biotecnologia questionou sobre como um sistema dessa forma estava valorizando a ciência e a inovação. Afinal, a empresa vai lá e investe em cientistas para produzir algo a médio/longo prazo e, se abater em impostos o que investiu, perde os direitos sobre a inovação gerada. Ele concluiu dizendo que sendo desse jeito, na maioria dos casos sequer vale a pena fazer o projeto. Nessa hora o doutor Guilherme disse que o cálculo dos direitos era algo complexo que levava em conta um número muito grande de variáveis e que não era bem assim. Ora, então o doutor simplesmente foi lá e colocou na sua apresentação uma fórmula matemática errada que ele mesmo se enrolou pra explicar quando a foi mencionar? Ok, ok, ok.

A moral é que se o secretário doutor pela UniCamp, que não sabe matemática, não sabe estatística e é incapaz de elaborar raciocínios lógicos satisfatórios, é capacitado a ser responsável por um orçamento de muitos milhões e pelas políticas de inovação do governo federal, por que haveriam engenheiros e cientistas analfabetos em matemática falhar na tarefa de desenvolver o país? ¬¬

2 comentários:

Matheus "TT" Freire disse...

Eu até fico sem o que escrever lendo esse post, porque o esquema é complicado. Me dá vergonha alheia do magrão "explicando" a fórmula errada durante a apresentação.

Assim como meio que comentei no blog do Oggro , acho uma baita tosquice uma pessoa não saber apresentar um punhado de slides no Powerpoint, achando que basta colocar uns números/fórmulas/algoritmos pra ficar bonito e parecer que o esquema tem conteúdo, pra quando chegar a hora de falar sobre tal coisa, passar rápido e batido, como se nem precisasse que aquele slide estivesse ali.

Mas acho que me desviei um pouco do assunto principal.

A questão é, sempre que se quer dar resultados rápidos, se faz o caminho mais fácil, e é o que acabará sendo feito...

Brasil...

Franco disse...

Sempre (ou quase) sou a favor da alternativa que dê resultados mais rapidamente. A questão é que o raciocínio dos caras se dá em cima de como melhorar o mais rápido possível as estatísticas que pretensamente medem os resultados, e não em atingir os resultados em si.