terça-feira, 21 de outubro de 2008

P.S.

Em tempo, já que o assunto é transporte coletivo, vai aqui uma situação que provavelmente vai acontecer graças ao Tri. Antes, quando o sujeito ia lá em dezembro e comprava 75 passagens, ficava com 75 fichas em casa, as quais podia, caso ainda fosse estudante, usar no ano seguinte também, independentemente de reajustes no meio tempo. É o mínimo aceitável, considerando que o sujeito pagou antecipado. Agora que o que se faz é colocar créditos em um cartão, alguém acredita que as passagens compradas antes do reajuste serão debitadas com o valor anterior ao reajustado?

Suponhamos que comece a valer um aumento de tarifa de 9,5% (i.e., a passagem subiu para R$2,30) quando alguém tem sobradas 50 passagens compradas com o valor da tarifa anterior (no caso, R$2,10). Isso quer dizer que o seu cartão Tri terá R$52,5 de crédito. Caso o valor debitado do cartão seja baseado na meia tarifa atualizada, que seria R$1,15, o cara que comprou 50 passagens fará 45 viagens e ficará com um troco irrecuperável no cartão. Não que os R$5,25 que foram roubados desse hipotético infeliz sejam muito. O que é frustrante é ver que fizeram com que o sistema tenha dado um passo para trás, subestimando a inteligência dos usuários.

Passagens, debates, metrôs e beijos

É o segundo turno das eleições de PoA mexendo com a minha circulação sanguínea. Seis anos de D43 lotado com as passagens subindo anualmente (sempre seguindo o ritual) edificaram o meu cinismo quanto à qualquer administração municipal.

O ritual ocorre entre o final de janeiro e o Carnaval de cada ano, quando os únicos estudantes presentes na capital são bolsistas de iniciação científica, e consiste do seguinte. Em um belo dia de verão é publicada uma notícia na ZH e no Correio comentando sobre como as coitadinhas das empresas de ônibus estão em apuros, como o número de passageiros por quilômetro rodado continua caindo a cada ano e como seria necessário um aumento de 25% na tarifa e o fim dos benefícios para estudantes e idosos para que elas pudessem sobreviver. Algum executivo da ATP diz que "os passageiros comuns têm de pagar pelos benefícios de estudantes e idosos". Alguma estatística "mostrando" como os ônibus viajam vazios é citada, sem que se mencione e onde a tal estatística saiu, claro.

Na semana seguinte, está na prefeitura o pedido de aumento da tarifa em 20%. Os estudantes que aqui se encontram fazem uma mobilização pífia* como protesto. No dia seguinte, estão nos jornais as mobilizações e mais executivos defendendo a inviabilidade de operação sem o reajuste pedido. Finalmente, na semana seguinte, a prefeitura vai lá e aprova um aumento da ordem de 10 a 15%. 2008 foi o quinto ano seguido no qual vi essa cena e os ônibus de hoje estão tão lotados quanto os de 2003.

No debate de ontem, na Rádio Guaíba, a candidata do partido que governou PoA por 16 anos e o atual prefeito mostraram, com o melhor do bom humor, que se a situação do transporte público está como está, só pode ser por acaso. Do Correio do Povo de hoje:


"... Fogaça acusou a petista de ter se apropriado do projeto do metrô desde o início da campanha. Ele perguntou a Rosário se não houve participação dos demais parlamentares na inclusão de recursos para o metrô no Plano Plurianual. 'Sim, de toda a bancada gaúcha, menos do senhor', retrucou a deputada. Fogaça disse então que Rosário se declarava a rainha do metrô. A petista pediu respeito e disse que, se ela era a 'rainha do metrô', Fogaça seria o 'rei da demora'."
"... Ao final do encontro, o mediador Gustavo Mota pediu aos dois que trocassem um aperto de mãos. Descontraído, Fogaça reclamou de ter sido chamado de 'rei da demora' por Rosário. Ela disse que apenas havia revidado o tratamento de 'rainha do metrô'.
Rosário brincou: 'Se tu construires o metrô, eu pego o cetro de rainha'. Fogaça entrou no clima de brincadeira e respondeu: 'Se tu conseguires o dinheiro, te dou um beijo na boca'. Ao que ela retrucou: 'Na boca, não!'."

Nessas horas eu gostaria de ter título aqui, para poder votar no dois.

*Houve uma manifestação pífia particularmente digna de nota: em tempos nos quais o DCE da UFRGS tinha sido disputado entre uma chapa do PSTU e outra do PSol, os estudantes do partido perdedor quiseram organizar protesto pífio próprio contra o reajuste . Por acaso, foi no mesmo dia que o protesto do DCE. Cada manifestação chegou em frente à prefeitura vinda de um lado. Se encontraram, brigaram entre si, a polícia teve de intervir para separar os manifestantes, todos foram embora e, as passagens, reajustadas.

sábado, 18 de outubro de 2008

Promessa

Hoje é um bom dia para registrar.

Eu hei de morrer no horário de inverno.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Para escutar

Trilha sonora recomendada para a leitura da postagem abaixo: os scherzi das nonas sinfonias do Beethoven e do Dvoràk, respectivamente.



quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Plágios clássicos

É dura a vida de compositor amador*. Após estar com a pulga atrás da orelha por alguns dias sobre as chances de estar pilhando a obra de alguém em uma música recém composta por mim, descobri, há uma semana, que estou. E desde então plágios musicais são um assunto que tem me perturbado intensa e constantemente.

A música que compus tem traços inegáveis de Knocking on Heaven's door, do Dylan. Demorei para notar porque a música do Dylan não faz muito o meu estilo. Tanto que sequer sabia que era dele, conhecia as versões do Guns e do Clapton, e não muito bem. A minha música é substancialmente diferente dela. Mesmo a parte similar é, estritamente falando, diferente. Mas, uma vez apontada a semelhança, ela lembra sem deixar dúvidas.

A questão que se impõe é a de quão similares entre si dois materiais musicais podem ser para que ainda se possa considerar ambos originais. E, como vou elaborar abaixo, isso pode ser bem complicado. Enquanto decido entre modificar ou descartar a parte em questão da minha música, relatarei sobre a originalidade do material musical usado pelos compositores de música séria.

Os compositores de música clássica se baseavam sistematicamente em temas alheios para compor suas obras. Como exemplo famoso, cito a 6ª sinfonia (a Pastoral) do Beethoven, cujas melodias muito boas foram tiradas, em grande parte, de canções campestres e, como exemplo obscuro mas digno de nota, cito a 2ª sinfonia do Tchaikovsky, cujos temas principais do 1º e do 4º movimentos são canções populares russas.

O caso do Tchaikovsky é particularmente interessante porque, embora essa sinfonia seja relativamente desconhecida hoje, ela foi muito importante para a consolidação da carreira dele. Isso deveu-se ao fato de que os músicos nacionalistas russos da época, dos quais ele não fazia parte e com os quais ele tinha atritos, a veneraram e o público, após a estréia, ficou eletrizado de tal forma que uma segunda apresentação se fez necessária. Mas o importante é o que o Tchaikovsky teve a dizer sobre o sucesso, particularmente, do último movimento. Ele escreveu que o crédito "deveria ter ido ao seu verdadeiro compositor", no caso, quem compos a canção popular cuja melodia ele transformou em tema para o movimento final.

Por outro lado, é claro que o compositor da canção popular não compos a sinfonia e que o movimento baseado na canção popular e a própria são obras musicais completamente diferentes. Para não deixar dúvidas, é óbvio que não há um paralelo direto entre esse e o meu caso. Mas ele mostra como a prática intencional de buscar inspiração em melodias alheias para obras próprias foi comum e declarada pelos grandes compositores. Por sinal, tão comum e aceita que há musicólogos vivendo de estudar as origens dos temas usados.

Parece estar claro que, nessa linha de pensamento, a originalidade melódica não é considerada como fator necessário para a originalidade e para o valor de uma obra. Contudo, estive falando de compositores importantes e renomados tomarem sistematicamente melodias de canções de compositores obscuros e desconhecidos. Mas o que aconteceria se um compositor renomado e importante se inspirasse em obra de outro de um nível tão ou mais alto?

Por acaso, conheço um exemplo em potencial do gênero: o 2º movimento da nona sinfonia do Beethoven e o 3º movimento da nona do Dvoràk, as trilhas sonoras recomendadas para a postagem.

A nona sinfonia do Dvoràk é, disparado, sua obra mais popular e aclamada. Ela foi composta em 1893, durante a estadia do compositor tcheco em Nova York, onde trabalhou como diretor da orquestra sinfônica local de 1892 a 1895. Por isso, é conhecida como a sinfonia "do novo mundo". Na minha opinião, uma sinfonia incrível, eu poderia elogiá-la por parágrafos. Quanto à nona do Beethoven, o único comentário necessário é que ela foi apresentada pela primeira vez em 1824, ou seja, 69 anos antes.

O ponto é que os scherzi delas são parecidos o bastante para deixar a nítida impressão de plágio. O Dvoràk certamente conhecia a sinfonia do Beethoven e tinha acesso à partitura da mesma. Em algum ponto do seu Scherzo, o Dvoràk toma outros rumos que os do Beethoven e, pessoalmente, prefiro o do Dvoràk. O curioso a respeito disso é que ambas as sinfonias são veneradas pela crítica - ninguém malha o Dvoràk pela semelhança entre o terceiro movimento dele e o segundo do Beethoven.

Por sinal, quem for ao artigo da wikipedia sobre a sinfonia do novo mundo sequer encontrará menção à nona do Beethoven, na versão em inglês. No correspondente em português do artigo, a similaridade é mencionada da mesma forma que o é no encarte do CD dedicado ao Dvoràk de uma coleção de música clássica que a Zero Hora vendeu aos seus assinantes há uns dois anos (ainda bem que tenho amigos assinantes \o/ ). Os encartes, que contém mini biografias dos compositores e comentários sobre as obras presentes em cada CD, são escritos pelo compositor contemporâneo português Eduardo Rincón. E a conclusão dele é que o Scherzo do Dvoràk uma obra prima, assim como a sinfonia como um todo. Sim, sem polemizar sobre as chances de plágio, ainda que comece mencionando que a semelhança é tão grande "que chega a parecer plágio". Assim, a postura usual é omitir ou fugir da discussão.

Depois de toda essa conversa, o que parece estar estabelecido é que não há critérios objetivos para determinar o quanto não-originalidades presentes em uma obra colocam em questão a autoria da mesma. Pois se existissem, não haveria razão para omitir a semelhança entre os scherzi. Bastaria dizer que são parecidos, mas não se trata de plágio por qualquer critério que existisse e eliminasse a possibilidade.

Chego, então, ao fim, sem decidir o que faço com a minha música. Conforme os ânimos futuros, publico mais divagações sobre o tema (sequer discuti casos atuais, por exemplo).

* Única ironia explicitamente apontada em todo o blog. Não tem graça ser irônico se é necessário se explicar, logo isso não acontecerá novamente. Mas é bom deixar claro que frases irônicas estarão soltas por aí. :)

P.S.: já que plágio é o assunto, o "Buenas, oscioso leitor!" da primeira postagem foi baseado no prólogo de uma edição brasileira da década de setenta do Dom Quixote. Nessa tradução, o Cervantes saúda o leitor adjetivando o mesmo de oscioso. Me ofendi e não li o livro.